quarta-feira, agosto 05, 2015

A reforma do sistema bancário e a sustentabilidade

Ensaio sobre o sistema bancário e a(in)sustentabilidade, no âmbito do PDACPDSA reforma do sistema bancário e a sustentabilidade Ler mais...

terça-feira, agosto 04, 2015

terça-feira, fevereiro 24, 2015

sexta-feira, janeiro 25, 2013

domingo, novembro 04, 2012

Dissertação de Mestrado

As Alterações Climáticas na Era do Antropoceno. Um Novo Paradigma para as Relações Internacionais? O caso do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas LER AQUI Ler mais...

sexta-feira, novembro 04, 2011

Alterações Climáticas e Austeridade



No último Eurobarómetro sobre a percepção pública das alterações climáticas(1), os portugueses são os que menos revelam preocupação com este problema - apenas 7% consideram-no o problema mais grave que o mundo enfrenta. Em contrapartida, a situação económica é apontada por 25% dos respondentes como o problema mais sério - um aumento em relação aos 10% do inquérito de 2009.
É natural que assim seja. No entanto, esta crise económica tem subjacentes raízes bem mais profundas do que as frequentemente citadas e boa parte delas cruzam-se com a problemática das alterações climáticas. Aliás, vários dos problemas citados pelo Eurobarómetro: situação económica; pobreza, fome e disponibilidade de água potável; disponibilidade de energia; etc. estão subjacentes às razões pelas quais as Alterações Climáticas são consideradas como um problema muito sério.

Os dirigentes políticos europeus têm a noção, mais ou menos consciente, de que a recuperação económica não pode passar por um estímulo económico keynesiano tradicional. Este estímulo, nas actuais condições limite dos mercados energéticos e de recursos naturais em geral, conduziriam, nomeadamente, ao disparo dos preços do petróleo, e a nova recessão. Estes caíram drasticamente com a recessão de 2008, mas apesar dos actuais dados económicos negativos, os preços continuam elevados (2) . Isto não nos deveria surpreender. Afinal, embora tenha passado largamente ignorado, a Agência Internacional de Energia reconheceu – ainda que subtilmente - no World Energy Outlook de 2010 que o pico de produção mundial de petróleo convencional terá ocorrido em 2006(3) . Infelizmente, as políticas seguidas não têm sido no sentido da sustentabilidade, mas sim de uma fuga para a frente. São exemplo disso o incentivo aos agrocombustíveis, a exploração de areias betuminosas (petróleo embebido), a expansão do carvão como fonte de energia, etc. Qualquer destas “soluções” agrava o problema das alterações climáticas cuja evolução se afigura preocupante num contexto de “business as usual”(4) , e não resolve o problema económico: energia e alimentos mais caros.
É neste contexto que Kevin Anderson, ex-director do Centro Tyndall para as Alterações Climáticas, num artigo publicado na Philosophical Transactions of the Royal Society(5) , sugere a necessidade de uma austeridade planeada, incompatível com o crescimento económico nos países desenvolvidos(6), enquanto se implementa a transição para uma economia “descarbonizada” (pouco dependente de combustíveis fósseis).
As consequências das alterações climáticas são já bem vísiveis e com repercussões bem claras sobre a economia (por exemplo, pela via da dispersão do risco associado a catástrofes naturais via resseguradoras). Existem portanto razões prementes para a implementação de uma “austeridade”. No entanto, a austeridade actual está a ser implementada pelas razões erradas, porque é injusta e porque não enfrenta uma das raízes do problema: uma economia desregulamentada onde o sector financeiro é claramente parasitário e desproporcionado. A austeridade necessária tem de ser sobretudo equitativa e não deve incutir medo – de perder o emprego, do direito a serviços essenciais (saúde, educação, etc.), caso contrário será um fracasso, a todos os níveis.

(1) http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/ebs/ebs_372_en.pdf

(2) http://www.telegraph.co.uk/finance/newsbysector/energy/oilandgas/8844260/Why-is-the-oil-price-still-so-high.html

(3) WEO 2010 pág. 6 do Sumário Executivo : "Crude oil output reaches an undulating plateau of around 68-69 mb/d by 2020 but never regains its all-time peak of 70 mb/d reached in 2006"

(4) The Copenhagen Diagnosis - updating the world in the latest climate science «The report also notes that global warming continues to track early IPCC projections based on greenhouse gas increases. Without significant mitigation, the report says global mean warming could reach as high as 7 degrees Celsius by 2100.»

(5)
http://rsta.royalsocietypublishing.org/content/369/1934/20.short
(6)
http://environmentalresearchweb.org/cws/article/news/45239
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domingo, julho 17, 2011

Concentração da riqueza e a austeridade.

Ao mesmo tempo que nos impõem a "austeridade", através de um relatório da consultora Capgemini e do banco de investimentos Merrill Lynch - World Wealth Report - ficamos a saber que 103.000 indivíduos pelo mundo fora dispõem de riqueza líquida (sem contar património) para pagar as dívidas públicas dos EUA e da Grécia - num total de cerca de 10 biliões (10^12)- e ainda lhes sobrava, em média, 50 milhões de dólares, caso fossem obrigados a fazê-lo! Os dados são relativos a 2007 e é provável que a concentração se tenha agravado ainda mais. Ler aqui e aqui.
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segunda-feira, junho 13, 2011

O movimento anti-regulação. O caso de Björn Lomborg e as alterações climáticas.

Na sequência deste "post" sobre Bjorn Lomborg, sugiro este artigo escrito no âmbito de uma cadeira de mestrado em Ciência Política e Relacões Internacionais (FCSH).Type rest of the post here. Ler mais...

terça-feira, março 15, 2011

"A Globalização económica e a insustentabilidade da zona euro no actual enquadramento institucional da UE"

O pós-guerra, até ao início da década de 70, caracterizou-se por um crescimento económico e níveis de bem-estar sem precedentes. O planeamento e regulação da economia pelo Estado, resultante dos ensinamentos retirados da análise da Grande Depressão dos anos 30 e da gestão da economia de guerra, contribuíram para o equilíbrio e a estabilidade financeira deste período.
Os choques petrolíferos da década de 70 e o fim da convertibilidade do dólar romperam este equilíbrio. A liberalização teve novo impulso com Reagan e Thatcher, através da desregulamentação do sector financeiro, das privatizações, e do esmagamento da capacidade negocial dos sindicatos.
Na década de 90, a queda do Muro de Berlim e a ascensão da China consolidaram a globalização económica.
A crise económica actual, a pior desde a Grande Depressão, revela, no entanto, os desequilíbrios sobre os quais assentou a globalização.
A repartição do rendimento prejudicou o trabalho em benefício do capital. O resultado foi o sobreinvestimento na capacidade produtiva e crises financeiras recorrentes.
Para suprir a reduzida capacidade aquisitiva e manter os níveis de crescimento económico, foi estimulado o recurso ao crédito. Altos níveis de consumo associados a uma forte desindustrialização, sobretudo nos EUA e na Grã-Bretanha, geraram desequilíbrios comerciais e orçamentais. A crise imobiliária do “subprime” foi o clímax das sucessivas bolhas especulativas, com repercussão mundial e origem no centro da economia-mundo, os EUA.
A implosão dos mercados financeiros e, sobretudo do crédito, secou o financiamento à economia.
Neste contexto, as fragilidades da Zona Euro tornam-se evidentes. Num espaço económico desigual, onde Alemanha e a Holanda produzem bens de equipamento e de alto valor acrescentado, enquanto países periféricos como Portugal e Grécia apresentam atrasos estruturais, as crises têm um efeito assimétrico que tornam uma política monetária única insustentável. Os interesses dos “clusters” exportadores dos primeiros nos mercados emergentes, acentuam ainda mais a tensão e a divergência de interesses dentro da Zona Euro.
Por outro lado, os estatutos do Banco Central Europeu apresentam dificuldades, quando a ameaça é a deflação, com a correspondente “armadilha da dívida”, e a depressão, e não a inflação. O recurso ao financiamento directo das dívidas públicas é uma opção possível, à semelhança da Reserva Federal Americana.
Perante estas pressões, a Zona Euro corre o risco de implodir se não forem introduzidos mecanismos de reequilíbrio. As dívidas públicas serão estruturais sem crescimento económico. Não se trata apenas de erros na condução da política económica. As políticas pró-ciclicas de austeridade seguidas em simultâneo conduzem ao agravamento da crise.
As lições da Grande Depressão parecem ter sido esquecidas. A estabilidade e o crescimento sustentado dependem do equilíbrio de forças e da coordenção das políticas económicas. O capitalismo necessita da redistribuição para funcionar, seja à escala da Zona Euro, seja à escala mundial.
Sem uma resposta global, o ajustamento poderá ser feito pelo proteccionismo, revertendo a globalização económica. No entanto, a crise ambiental e energética coloca restrições ao estímulo às economias.






Introdução
O objectivo deste trabalho é analisar as principais dinâmicas que estão a pressionar a coesão da Zona Euro. A crise financeira internacional e a heterogeneidade dos países que compõem a Zona Euro estão a testar o actual enquadramento institucional da União Europeia, revelando as suas fragilidades.
1. Enquadramento histórico
Os anos do pós-guerra na Europa Ocidental, até ao início da década de 70, caracterizaram-se por um crescimento económico e níveis de bem-estar sem precedentes. Ficaram conhecidos como “Os Gloriosos Trinta” .
O planeamento e regulação da economia pelo Estado, resultante dos ensinamentos retirados da análise das causas da Grande Depressão dos anos 30 e da gestão da economia de guerra, contribuíram para o equilíbrio e a estabilidade financeira deste período. John Maynard Keynes foi a personagem decisiva no desenvolvimento de um novo quadro analítico de compreensão da natureza das crises e da gestão da economia. Até aí, basicamente, vigorava a Lei de Say: toda a oferta cria a sua própria procura . Ou seja, não poderia haver crises de superprodução, a economia estaria sempre em equilíbrio. No entanto, o rápido desenvolvimento da revolução industrial permitiu acréscimos substanciais da oferta de bens, sem a correspondente transformação social e institucional paralela que permitisse absorver essa oferta. Sucederam-se as crises da procura até à Grande Depressão dos anos 30.
Keynes veio demonstrar que a economia não tende necessariamente para o equilíbrio. O Estado teria um papel fundamental na gestão da economia, para repor esse equilíbrio, através, quer das políticas orçamental e fiscal, quer na condução da política monetária. Com o seu “paradoxo da poupança”, revelou também que a lógica associada a determinados comportamentos individuais não pode ser generalizada para o resultado agregado desses comportamentos. A maior poupança de um indivíduo, quando generalizada a um conjunto de indivíduos pode levar a uma poupança agregada menor à que existia antes da decisão de poupar mais.
A nível internacional, as instituições conhecidas como sistema Bretton Woods foram criadas “para evitar que as forças depressivas fossem transmitidas através do sistema de pagamentos internacionais e de transacções” . O sistema monetário internacional estava assente num regime de taxas de câmbio fixas, baseado no padrão ouro-dólar. Todas as outras moedas estavam indexadas ao dólar, podendo ser trocadas por ouro. Os EUA, com as suas reservas de ouro, constituíam o garante deste sistema.
No entanto, no início dos anos 70, com a ascensão económica da Europa e do Japão, e a Guerra do Vietname, os EUA da era Nixon acabaram com a convertibilidade do dólar, passando a vigorar um sistema de câmbios flutuantes.
No início dos anos 80, com Reagan e Margaret Thatcher, “os mercados foram desregulamentados, os impostos desceram, os sindicatos foram arrasados e as instituições internacionais enfraquecidas. A filosofia de Bretton Woods de um capitalismo global administrado foi substituída pelo Consenso de Washington (…): comércio livre, privatizações, desregulamentação, equilíbrio orçamental, estabelecimento de objectivos para inflação, taxas de câmbio flutuantes” . Durante este período, houve cinco recessões mundiais – sendo a última, a maior e mais profunda desde a Grande Depressão” .
Deste modo, a figura de Keynes volta a assumir destaque na tentativa de compreender a crise actual.
2. Globalização Económica
2.1 A liberalização do comércio.
A liberalização do comércio internacional trouxe muitas vantagens, desde logo com o objectivo de evitar novos conflitos bélicos entre os europeus. No entanto, sobretudo a partir dos anos 90, com a queda do Muro de Berlim e a ascensão da China na economia mundial, a liberalização do comércio e dos investimentos opôs países muito desiguais, em termos de rendimentos. O resultado foi uma progressiva deslocalização da produção. Países como o Reino Unido e os EUA passaram por um processo de desindustrialização acentuado.
Como refere Graham Turner em “The Credit Crunch”, “But free trade today is no longer driven by comparative advantage, rather the ability to maximize profits by cutting costs” .
“High-value manufacturing is disappearing from Britain. Every single category of manufacturing employment has fallen since 1997, with many industries shedding a fifth of their workforce and more” .
2.2 Desequilíbrios financeiros e comerciais: crises recorrentes
A liberalização internacional dos capitais, imposta pelo FMI à generalidade dos países em desenvolvimento (a China e a Índia, mantiveram sempre controlos de capitais), conjugada com a desregulação financeira, de que a revogação, em 1999, da Lei Glass-Steagall de 1933 – esta lei impedia os bancos a retalho de se envolverem directamente em operações de investimento como a subscrição e a venda de títulos - é um marco, acentuaram a chamada “financeirização” da economia, ou seja, uma economia assente nos serviços financeiros e na especulação:
“Above all, there is a gulf opening up between the productive and unproductive sectors of the global economy; a growing disconnect between the real economy – where food is grown, goods are made and exchanged, value is added through knowledge and skill – and the virtual economy of bank money, gambling, tax evasion, speculation, credit cards and debt”
A globalização económica e financeira ficou marcada por um profundo desequilíbrio . A disponibilidade de uma enorme reserva de mão-de-obra barata nos países em desenvolvimento, rompeu o equilíbrio existente no mundo ocidental na distribuição do rendimento entre capital e trabalho. A deslocalização das indústrias enfraqueceu a capacidade negocial dos sindicatos. Esta situação, por sua vez, gerou um excesso de investimento e de capacidade produtiva, resultante da abundância de capital para investir. A bolha das “dot.com” é um exemplo desse sobreinvestimento.
“The systematic dismantling of the protection previously enjoyed by workers saw the balance of power swing decisively in favour of corporations. Globalisation and the removal of trade barriers accelerated the shift. Overinvestment and overproduction became the key threats, not inflation.”
As primeiras recessões dos anos 80 foram causadas devido ao combate à inflação, mas a partir da crise asiática de 1997, a natureza da crise era deflacionária, ou seja, fruto de défice da procura.
A forma encontrada para absorver este excesso de oferta foi estimular o crédito. Esta foi uma característica quer dos países desenvolvidos, quer dos países em desenvolvimento. Os EUA e o Reino Unido, por exemplo, geraram gigantescas dívidas, públicas e privadas, bem como enormes défices comerciais .
3. A Grande Crise Financeira – O regresso da Depressão Económica?
A actual crise financeira, ao contrário das anteriores, teve o seu epicentro no chamado Primeiro Mundo , no caso, os EUA. A progressiva perda de competitividade da economia americana, reflectiu-se no enorme endividamento externo:
“The US was also the world´s largest external debtor, owing a mammoth $2.5 trillion to creditors overseas, equal to 19.2 per cent of GDP”.
Esta situação foi compensada com a “financeirização” da economia, baseada no aumento do peso dos serviços financeiros no PIB. O culminar desta onda especulativa, que confundiu a economia real com a especulação financeira, ocorreu com a crise imobiliária do “subprime”. A explosão da titularização de hipotecas ocorrida a partir de 2000, em simultâneo com a referida revogação da Lei Glass-Steagall, a decisão da Administração Clinton de não regular os Credit Default Swaps (CDS, instrumento financeiro ) e a decisão do regulador do mercado de capitais americano – a SEC (Securities and Exchange Commission) – de permitir aos bancos aumentarem os seus rácios de alavancagem (passivo total /situação líquida) de 10:1 para 30:1, conduziu a uma política de crédito imobiliário totalmente descontrolada. A titularização permitiu transferir o risco para os investidores, confiantes nas notações de risco atribuídas pelas empresas de “rating” e nos ganhos apreciáveis da fase do “boom”. Em 2007-2008, a crise manifestou-se revelando a fraude dos títulos sem qualquer valor, designados “activos tóxicos”, na posse de todo o sistema financeiro internacional: “Mesmo no momento actual não é possível determinar com exactidão quantos biliões destes activos tóxicos permanecem nas folhas de balanço das instituições financeiras ou o seu valor real”.
3.1 As lições do passado foram esquecidas?
Keynes havia chamado a atenção para a dimensão da incerteza, distinta do conceito de risco (mensurável), na vida económica. Os mercados financeiros, assentes na Teoria dos Mercados Financeiros Eficientes, julgaram poder controlar todos os riscos inerentes a todos os novos instrumentos financeiros, esquecendo aquela diferença fundamental entre risco e incerteza.
A desconfiança no sistema levou ao colapso do mercado do crédito, empurrando a economia norte-americana para o abismo. Pela primeira vez desde os anos 30, a depressão económica surgiu no horizonte , levando as autoridades americanas a fazer tábua rasa de preceitos monetaristas, com a Reserva Federal (Banco Central dos EUA) a injectar directamente, milhares de milhões de dólares para aquisição de activos públicos e privados, o chamado “quantitative easing” .


3.2 EUA vs China – o proteccionismo será inevitável?
Contudo, o “quantitative easing” gerou desconforto da parte dos detentores de dívida pública americana, nomeadamente da República Popular da China, o maior credor do Tesouro Americano , em cerca de 895 mil milhões de dólares (dados de Novembro de 2010).
A relação comercial entre a China e os EUA é o exemplo mais importante dos desequilíbrios criados pela globalização. Esta gerou uma dependência mútua entre a maior potência militar e económica, os EUA, e aquela que é sua a maior rival a prazo, a China. A queda de um, implica a queda do outro, é a repetição, em versão económica, do “MAD (Mutual Assured Destruction)”.
A China desenvolveu uma dependência – que procura agora equilibrar – em relação ao mercado de exportação americano e ao investimento vindo deste, e os EUA, por sua vez, financiaram o seu crescimento com reduzida inflação, com as aplicações das poupanças chinesas.
O “quantitative easing” motivou desconforto dos chineses , uma vez que põe em causa a credibilidade do dólar e o valor dos investimentos chineses. Por sua vez, os EUA insistem na revalorização do yuan, no sentido de reequilibrar a relação comercial entre os dois países. No entanto, o problema é estrutural, e radica na desindustrialização operada nas últimas décadas nos EUA. O proteccionismo vai assim ganhando adeptos:
“A backlash against free trade is now gathering momentum in the US, and protectionism has become a key battleground for the US 2008 presidential election.”
4. A Zona Euro: estabilidade à escala europeia?
A Zona Euro é hoje constituída por 17 dos 27 países da União Europeia. O último país a aderir foi a Estónia, em Janeiro de 2011.
O euro, aquando da sua criação, pretendia conferir maior estabilidade às economias europeias, protegendo-as da instabilidade e especulação cambiais que se vivia no mercado internacional.
4.1 Assimetrias de desenvolvimento não resistem ao choque da crise mundial.
Contudo, os dezassete países que compõem hoje a Zona Euro caracterizam-se pela sua grande heterogeneidade. Os países do centro, geográfico e económico, como a Alemanha, a França e a Holanda não têm os mesmos problemas e interesses estratégicos que os países da periferia, como Portugal ou a Grécia.
A Globalização favorece o “cluster” dos sectores de exportação intensiva alemão. A Alemanha beneficia da abertura dos mercados dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). A recuperação das exportações alemãs na segunda metade de 2009 baseou-se, sobretudo, no grande aumento das exportações para estes países . Ao mesmo tempo, os países da periferia da Zona Euro, e da periferia da União Europeia em geral, são os mais afectados pela concorrência internacional em sectores mais tradicionais, de países como a China.
A crise financeira internacional obrigou à intervenção dos Estados para recapitalizar o sistema financeiro, abalando os chamados critérios de convergência nominal, nomeadamente do défice e da dívida públicos. O resultado é a crise da dívida soberana que alastra pela Europa. Num cenário de fraco crescimento económico, os países da periferia vêem-se envolvidos num colete de forças: têm de reduzir os seus défices e aplicam medidas de austeridade que comprometem ainda mais o crescimento, sendo penalizados pelos mercados no acesso ao crédito, precisamente pelas fracas perspectivas de crescimento.
Esta crise veio revelar a fragilidade das bases da união monetária. A Zona Euro não corresponde a uma zona monetária óptima. Uma zona monetária óptima caracteriza-se por ter plena liberdade de circulação do capital e do trabalho (e/ou total flexibilidade dos salários), por ter um mecanismo fiscal automático de redistribuição do rendimento e por incluir países ou regiões cujo ciclo económico é semelhante .
4.1.1 Alemanha vs PIGS
Segundo o “The World Factbook” da CIA, as estimativas para 2010 para os maiores exportadores mundiais colocam a Alemanha em 2º lugar, apenas ultrapassada pela China, com 1.337 mil milhões de dólares. Ainda de acordo com a fonte indicada, 68,4% das exportações da União Europeia são alemãs! É um registo notável. No entanto, este desequilíbrio não é sustentável, por natureza. Pela simples razão de que um excedente comercial de um país, ou grupo de países, reflecte-se necessariamente num défice de um conjunto de outros.
Como refere o estudo “The Eurozone Betwwen Austerity and Default” , a União Económica e Monetária(UEM) criou as condições para o enorme endividamento dos Estrutura das exportações alemãs por região
Destino Europa União Europeia Ásia América África Oceânia
% 75% 62% 14% 10% 2% 1%
países da periferia, depreciativamente designados por PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha) pela imprensa internacional. Os Planos Estabilidade e Crescimento limitaram o endividamento público, mas a dívida privada foi a que mais aumentou. A dívida total destes países aumentou duas a três vezes no decurso da União Monetária Europeia. A debilidade estrutural das economias da periferia, pouco competitivas em relação às economias do centro, aliada à significativa redução das taxas de juro, que adesão ao euro proporcionou, criaram as condições para esta situação.
Países Espanha Portugal Grécia
Dívida Total (pública e privada) em % do PIB 506% 479% 296%

Países Espanha Portugal Grécia
Rácio Div. Privada/Div Pública 87:13 85:15 58:42

Foram os bancos do centro que aceitaram financiar estas dívidas. A crise internacional e os problemas de financiamento do sistema bancário, tornaram o endividamento dos países da periferia numa ameaça aos grandes bancos europeus, nomeadamente alemães.
4.2 Colapso do Euro ou novas regras?
Como diz Dani Rodrik, a Europa teve o azar de enfrentar a pior crise desde os anos 30, a meio do seu processo de integração. Como refere também o centro de reflexão Bruegel, faltou à UEM desde o início uma cláusula de “bail-out” (resgate).
Num panorama económico que ameaça transformar-se numa crise económica deflacionária, o peso real das dívidas aumenta, envolvendo os países na chamada “armadilha da dívida” . O incumprimento das dívidas de países como a Grécia ou a Irlanda torna-se quase inevitável:
“Infelizmente, pode ser já demasiado tarde para a zona euro. A Irlanda e os países do Sul da Europa têm de reduzir a dívida e melhorar muito significativamente a competitividade das suas economias. É difícil imaginar como poderão alcançar estas duas metas enquanto permanecerem na zona euro. (…) Pertencer à mesma zona monetária que a Alemanha vai condenar estes países a anos de deflação, elevado desemprego, e a agitação política nacional. Sair da zona euro poderá ser, no ponto em que as coisas estão, a única opção realista para a recuperação” .
O perigo de contágio a economias de maior dimensão como a Espanha, levanta questões sobre a capacidade do Fundo Europeu de Estabilização Financeira para “salvar” estas economias, também devido à morosidade dos processos para o dotar dos meios necessários. Este perigo de contágio ameaça o próprio centro do sistema. A Alemanha, como vimos, tem também muito a perder. Quer porque o seu excedente é, em larga medida, o espelho dos défices dos restantes países, quer porque beneficia de uma Zona Euro alargada .
O centro Bruegel propõe a criação de um Mecanismo Europeu de Resolução de Crises (European Crisis Resolution Mechanism), assente no estabelecimento de um tribunal especial para resolução de falências soberanas. Esta solução exigirá, provavelmente, um novo tratado e levanta a questão de quem pagará as falências soberanas. Este é um problema que não se resolve administrativamente. Os estabilizadores automáticos (impostos e subsídio de desemprego, p. ex.), em situação de profunda recessão, podem anular completamente todas as medidas discricionárias de um governo para reduzir o défice.

4.2.1 Estatuto do BCE
O Tratado de Maastricht limitou o âmbito de actuação do Banco Central Europeu (BCE) . Este e os bancos centrais nacionais, ficaram impedidos de financiar directamente os défices públicos, com o fim declarado de garantir a estabilidade dos preços. A União Europeia está também proibida pelos Tratados de emitir dívida pública, através da emissão de obrigações. Estas limitações confrontaram o Banco Central Europeu com o dilema colocado pelo risco de implosão das dívidas soberanas e do sistema financeiro. O BCE tem vindo a intervir ocasionalmente nos mercados de dívida pública, comprando dívida através do mercado secundário (dívida já emitida, contornando, assim, críticas que o acusavam de violar os Tratados), com o intuito de aliviar a pressão dos mercados sobre a dívida. O sucesso tem sido escasso, revelando a necessidade de soluções mais duradouras.

4.2.2 Federalismo Fiscal
Citando mais uma vez Dani Rodrik, professor da Universidade de Harvard:
“(…), o verdadeiro problema está em que a Europa não criou as instituições a nível da União que um mercado financeiro integrado exige.(…) entre democracias, a união monetária é impossível sem união política.” .
Para o Euro, e o projecto europeu, ser viável, provavelmente a Europa terá que aprofundar o federalismo fiscal, aumentando significativamente o orçamento comunitário dos actuais 1% do PIB da União e dotando-se de mecanismos automáticos de transferência de fundos para as regiões em dificuldade, à semelhança do que sucede com os EUA.
Conclusão
A Europa no seu conjunto está confrontada com a hipótese de uma crise económica sem precedentes, se não tomar medidas rápidas e decisivas. O Japão vive há cerca de duas décadas uma situação de estagnação económica que teve na origem uma crise imobiliária seguida de falências em série no sistema bancário.
As políticas de austeridade que têm sido seguidas poderão agudizar ainda mais o problema, porque tendem a agravar o peso da dívida em relação ao PIB, quer por efeito da diminuição do crescimento, quer pela ameaça da deflação.
A Europa precisa de rever as suas instituições, mas a prioridade do momento deveria ser o estímulo ao crescimento económico. No entanto, as medidas para o promover devem ser selectivas, tendo em conta novos factores limitativos como a emergente crise energética e ambiental.


Bibliografia
ADAM, Shamin e ITO, Aki - G-20 Spat Risk Eases as U.S. Eschews Pushing Targets Nov 8, 2010 http://www.bloomberg.com/news/2010-11-07/g-20-conflict-risk-eases-as-u-s-says-current-account-targets-unrealistic.html
CIA The World Factbook - Country Comparison Exports - https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2078rank.html
JUDT, Tony – Pós-Guerra: História da Europa desde 1945, Edições 70, Lisboa, 2006 KRUGMAN, Paul - O Regresso da Economia da Depressão e a Crise Actual, Editorial Presença, 2009
LANMAN, Scott - Fed to Buy Extra $600 Billion of Treasuries to Boost Growth Nov 3, 2010 Disponível em : http://www.bloomberg.com/news/2010-11-03/federal-reserve-to-buy-additional-600-billion-of-securities-to-aid-growth.html
LAPAVITSAS, Costas et al., "THE EUROZONE BETWEEN AUSTERITY AND DEFAULT " Research on Money and Finance, SOAS - School of Oriental and African Studies - Universidade de Londres, Setembro 2010
MITCHELL, Bill – “The Euro bosses ignore all the lessons” November 2010 http://bilbo.economicoutlook.net/blog/?p=12176
NEW YORK TIMES, Europe´s Web of Debt, Maio 2010
http://www.nytimes.com/interactive/2010/05/02/weekinreview/02marsh.html
PETTIFOR, Ann, "The Coming First World Debt Crisis", Palgrave Macmillan 2006
PISANY-FERRY, Jean et al., - “A European Mechanism for Sovereign Debt Crisis Resolution: A Proposal”, Bruegel, 2010
POSEN, Adam S., “Having a Large Euro Area Is an Advantage for Germany”, Peterson Institute for International Economics February 19, 2010 disponível em: http://www.iie.com/publications/opeds/oped.cfm?ResearchID=1497
RODRIK, Dani – “Europa: pensar o impensável” Jornal Público 26/12/2010
http://economia.publico.pt/Noticia/europa-pensar-o-impensavel_1472621;
original em Project Syndicate:
http://www.project-syndicate.org/commentary/rodrik51/English
SKIDELSKY, Robert, "Keynes, o regresso do mestre" Texto Editores 1ª edição 2010
TURNER, Graham, "The Credit Crunch, Housing Bubbles, Globalisation and the Worldwide Economic Crisis", Pluto Press, 2008

artigo original








































































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quarta-feira, março 09, 2011

segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Racionamento de energia

Por altura da Cimeira do Clima em Cancun, surgiu uma notícia de que alguns cientistas defenderam a necessidade de promover o racionamento da energia à semelhança do ocorrido na Segunda Grande Guerra. Afirmava-se que, para reduzir as emissões de CO2 e permitir algum crescimento económico nos países pobres, os países desenvolvidos teriam que suspender o seu crescimento para os próximos 20 anos. Agora, num artigo publicado na "Philosophical Transactions of the Royal Society", Kevin Anderson, ex-director do Tyndall Centre for Climate Change da Universidade de Manchester, e Alice Bows, afirmam que as metas que têm vindo a ser fixadas nas últimas cimeiras são incoerentes com os resultados que vêm sendo fornecidos pela ciência, nomeadamente o objectivo de limitar o aquecimento global a 2ºC. Mais importante ainda, para travarmos as emissões de CO2, não é possível manter o crescimento económico o que exigirá uma "austeridade planeada". Excerto da conclusão do artigo:
«In relation to the first two issues, the Copenhagen Accord and many other highlevel policy statements are unequivocal in both their recognition of 2ºC as the appropriate delineator between acceptable and dangerous climate change and the need to remain at or below 2ºC. Despite such clarity, those providing policy advice frequently take a much less categorical position, although the implications of their more nuanced analyses are rarely communicated adequately to policy makers.
Moreover, given that it is a ‘political’ interpretation of the severity of impacts that informs where the threshold between acceptable and dangerous climate change resides, the recent reassessment of these impacts upwards suggests current analyses of mitigation significantly underestimate what is necessary to avoid dangerous climate change. Nevertheless, and despite the evident logic for revising the 2ºC threshold, there is little political appetite and limited academic support for such a revision. In stark contrast, many academics and wider policy advisers undertake their analyses of mitigation with relatively high probabilities of exceeding 2ºC and consequently risk entering a prolonged period of what can now reasonably be described as extremely dangerous climate change.
Put bluntly, while the rhetoric of policy is to reduce emissions in line with avoiding dangerous climate change, most policy advice is to accept a high probability of extremely dangerous climate change rather than propose radical and immediate emission reductions.

[...] However, given the CCC acknowledge ‘it is not now possible to ensure with high likelihood that a temperature rise of more than 2ºC is avoided’ and given the view that reductions in emissions in excess of 3–4% per year are not compatible with economic growth, the CCC are, in effect, conceding that avoiding dangerous (and even extremely dangerous) climate change is no longer compatible with economic prosperity. [...]
By contrast, the logic of such studies suggests (extremely) dangerous climate change can only be avoided if economic growth is exchanged, at least temporarily, for a period of planned austerity within Annex 1 nations and a rapid transition away from fossil-fuelled development within non-Annex 1 nations.

However, this paper is not intended as a message of futility, but rather a bare and perhaps brutal assessment of where our ‘rose-tinted’ and well intentioned (though ultimately ineffective) approach to climate change has brought us.
Real hope and opportunity, if it is to arise at all, will do so from a raw and dispassionate assessment of the scale of the challenge faced by the global community. This paper is intended as a small contribution to such a vision and future of hope.
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sexta-feira, fevereiro 04, 2011

"O terrorismo dos juros compostos"



Esta expressão foi retirada do livro "Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno", de Serge Latouche. De facto, se pensarmos nas consequências do crescimento exponencial, poderemos ficar assustados com as conclusões. Por isso talvez se perceba melhor a frase de Al Bartlett de que: "The greatest shortcoming of the human race is our inability to understand the exponential function."
Bastam umas contas simples, referidas no mencionado livro (pág. 36):

Para obtermos o período de duplicação de uma determinada grandeza, basta dividirmos 70 pela taxa de crescimento por unidade de tempo.

Isto significa que, por exemplo, se o PIB crescer 3% ao ano, ele duplicará aproximadamente de 23 em 23 anos, e ao fim de 1 século terá crescido cerca de 31 vezes! Mas se crescer 10% ao ano (como na China) duplicará de 7 em 7 anos, e ao fim de um século terá crescido cerca de 16384 vezes! O livro indica 736, mas julgo que está errado, por defeito. 16384 obtém-se do seguinte modo: como a duplicação ocorre de 7 em 7 anos, existem cerca de 14 períodos de 7 anos num século, 2^14=16384!
Se me enganei nas contas, corrijam-me. De qualquer modo, isto ilustra a escala do crescimento, manifestamente insustentável. De modo mais directo,evitando as aproximações, a 10%,ao fim de um século, a grandeza cresceria 13780 vezes (1.10^100). Ler mais...

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

AIE: Pico do Petróleo em 2006!

A Agência Internacional de Energia veio afirmar, no seu World Energy Outlook de 2010(em português), que o pico mundial de produção de petróleo convencional já ocorreu. E já passaram mais de 4 anos! Foi em 2006! Afinal, eram organizações como a ASPO que tinham razão:

"Crude oil output reaches an undulating plateau of around 68-69 mb/d by 2020 but never regains its all-time peak of 70 mb/d reached in 2006" pág. 6 Sumário Executivo (em inglês) Ler mais...

terça-feira, janeiro 04, 2011

segunda-feira, setembro 13, 2010

The Happy Planet Index

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quinta-feira, setembro 09, 2010

O movimento anti-ciência e anti-regulação

A revista Nature, em editorial intitulado "Science Scorned" - "Desdém pela Ciência" - alerta para a gravidade de se ignorar a ciência na tomada de decisões políticas. Refere o caso dos EUA, onde movimentos ultra-conservadores estão a conseguir bloquear a tomada de decisões, prejudicando seriamente o futuro da economia americana e muito mais do que isso. «Last month’s recall of hundreds of millions of US eggs because of the risk of salmonella poisoning, and the Deepwater Horizon oil spill, are timely reminders of why the US government needs to serve the people better by developing and enforcing improved sciencebased regulations. Yet the public often buys into anti-science, antiregulation agendas that are orchestrated by business interests and their sponsored think tanks and front groups.» Há quem pareça pensar que nada disto existe, que acontece tudo por acaso, quando - como refere o próprio artigo - muitas destas posições são orquestradas por grupos e "think tanks" ligados a interesses comerciais.
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sexta-feira, agosto 06, 2010

Os Fogos na Rússia


A extensão dos fogos na Rússia e na Ásia Central é impressionante. Segundo a ligação da NASA, indicada acima, estendem-se por cerca de 3.000 kms. Nem o metro de Moscovo escapa ao fumo. Os puristas dirão sempre que não se devem tirar conclusões sobre este tipo de acontecimentos e a sua ligação com as alterações climáticas. Mas a verdade é que as alterações climáticas estão a ocorrer, e estão a ocorrer neste planeta, e não num mundo abstracto, e portanto é natural que se reflictam em fenómenos extremos como este, ou como nas cheias do Paquistão. O próprio presidente russo - país que tem até agora desprezado o problema - fez declarações no sentido de que não podemos continuar como até aqui. Actualização: vale a pena ler este comunicado da Organização Meteorológica Mundial a propósito da série de eventos extremos que se têm registado um pouco por todo o mundo.
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terça-feira, agosto 03, 2010

segunda-feira, julho 19, 2010

segunda-feira, março 08, 2010

segunda-feira, janeiro 25, 2010

The Business of Climate Change Conference 2009

Jeff Rubin, autor de "Why Your World Is About To Get A Whole Lot Smaller".

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sexta-feira, dezembro 18, 2009

"Climategate"

Ver dossier sobre este assunto aqui e aqui.

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quarta-feira, novembro 25, 2009

Salários máximos?


Um elemento fundamental para garantir a sustentabilidade é a existência de reduzidos níveis de desigualdade. Este é um aspecto pouco discutido quando se fala num mundo mais sustentável. Como diz Andrew Simms, da NEF, “a desigualdade está verdadeiramente na raíz da maior parte dos problemas sociais e, por implicação, dos problemas ambientais”. Isto é fácil de entender na medida em que, quando se exorta a generalidade das pessoas a uma contenção no consumo de recursos, a fazer “sacrifícios”, em nome da “defesa do Planeta” e do ambiente, dificilmente isso será aceite se essas pessoas conviverem com outras que não aparentam respeitar qualquer limite. Isto vem a propósito, por exemplo, dos altos salários e prémios auferidos por gestores (veja-se, entre outros, o caso dos administradores da Redes Energéticas Nacionais), nomeadamente no sector financeiro, e que estão em parte relacionados com a crise financeira que atravessamos. A perspectiva de salários e prémios cada vez maiores levou a uma crescente alavancagem e a uma tomada de riscos cada vez maior, com o resultado que se conhece. Como também afirma Simms, tectos salariais seriam bons para a economia, ao contrário do pretendido pelos defensores do "status quo". Crescem as vozes no sentido de impor limites à desigualdade: NEF, Compass, Extreme Inequality.
Tectos salariais não implicariam necessariamente modelos rígidos. Uma forma de limitar excessos, seria, por exemplo, indexar, ao nível das organizações, os salários máximos aos salários/remunerações mínimos aí praticados. Isto implicaria uma evolução a par, promovendo alguma contenção.
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sábado, setembro 26, 2009

Desobediência Civil

“Civil disobedience is not our problem. Our problem is civil obedience. Our problem is that people all over the world have obeyed the dictates of leaders…and millions have been killed because of this obedience…Our problem is that people are obedient allover the world in the face of poverty and starvation and stupidity, and war, and cruelty. Our problem is that people are obedient while the jails are full of petty thieves… (and) the grand thieves are running the country. That’s our problem.”

«A desobediência civil não é o nosso problema. O nosso problema é a obediência civil. O nosso problema é que pessoas por todo o mundo têm obedecido os ditames dos líderes ... e milhões têm sido mortos por causa desta obediência...O nosso problema é que as pessoas são obedientes por toda a parte em face da pobreza e da fome, e da estupidez, e da guerra, e da crueldade. O nosso problema é que as pessoas são obedientes enquanto as cadeias estão cheias de ladrões sem importância... (e) os grandes ladrões governam o país. Esse é o nosso problema"

Howard Zinn - Historiador norte-americano
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segunda-feira, setembro 14, 2009

O Degelo

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segunda-feira, agosto 24, 2009

A reabilitação dos "Trolleybus"



Imagem: exemplo de Mérida (Venezuela) - Trolmérida

Este artigo da Low-tech Magazine dá conta do ressurgimento dos trolleybus (ou Troleicarros). Estes têm inúmeras vantagens em relação aos eléctricos ou metros de superfície. São flexíveis (não ficam parados ao primeiro automóvel mal estacionado) e o investimento necessário é muito menor. A densidade de cabos eléctricos era um dos inconvenientes dos trolleys, sobretudo em cruzamentos. Actualmente, com a utilização de baterias ou de trolleybus híbridos com motores a diesel é possível minimizar esse problema. É uma opção que as autoridades deveriam repensar.
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segunda-feira, agosto 10, 2009

A corrida às terras agrícolas: novo colonialismo?


O capitalismo não dorme. A falta de opções de investimento atractivas resultantes do estouro de várias bolhas especulativas, lançou os investidores numa nova corrida, desta vez em busca do controle de terras agrícolas. Vários governos participam também desta corrida, tentando garantir a sua segurança alimentar. O artigo seguinte, publicado pelo jornal alemão "Der Spiegel" trata de forma clara o que está envolvido nesta questão. Para seguir esta temática, ver Food crisis and the global land grab .


«Investidores externos apropriam-se sem dificuldades de terras agrícolas em África

Governos e fundos de investimento estão a comprar terrenos agrícolas em África e na Ásia para produzir alimentos – um negócio lucrativo, dada a população global crescente e a ascensão rápida dos preços.
O jogo de parada alta do Monopólio da vida real está a conduzir-nos a um colonialismo moderno ao qual muitos países pobres se submetem por uma questão de necessidade.

Todas as crises têm os seus vencedores. Um grupo deles está sentado na Sala Stuyvesant do hotel Marriot de Nova Iorque. A sala de conferências, onde as sombras são desenhadas e as luzes são ofuscadas, está cheia de homens do Iowa, São Paulo e Sydney – plantadores de milho, grandes proprietários de terras e gestores de fundos. Cada um deles pagou 1.395€ para assistir ao Global AgInvesting 2009, a primeira conferência de investidores sobre o emergente mercado mundial de terras agrícolas.

Um homem da Organização para a Cooperação Económica e Desenvolvimento (OCDE) dá a primeira apresentação. Gráficos coloridos movem-se para cima e para baixo nos slides de PowerPoint. Alguns estão direccionados para baixo, à medida que se aproxima o ano de 2050. Representam as terras que estão a desaparecer como resultado das alterações climáticas, da degradação dos solos, da urbanização e da falta de água.
As outras linhas, que apontam fortemente para cima, representam a procura de carne e biocombustíveis, os preços dos alimentos e o crescimento populacional. Existe um hiato crescente entre estes dois conjuntos de linhas. Representa a fome.
De acordo com a maior parte dos prognósticos, poderá haver 9,1 mil milhões de pessoas a viver ma Terra em 2050, cerca de mais 2 mil milhões do que actualmente. Nos próximos 20 anos apenas, espera-se que a procura mundial de alimentos cresça cerca de 50%. “Estas são perspectivas pessimistas”, diz o homem da OCDE. Ele tem um aspecto sério e até um pouco triste, à medida que descreve o futuro do mundo.

Mas para a audiência na Sala Stuyvesant, sobretudo homens e algmas mulheres, tudo isto são boas notícias e o ambiente é efusivo. Como poderia ser de outro modo? Afinal de contas, a fome é o seu negócio. A combinação de mais gente e menos terra torna a comida num investimento seguro, com retornos anuais de 20 a 30%, raros no actual clima económico.

Estes não são peritos de Wall Street, nem são pessoas que façam girar dinheiro através dos continentes como bolas de bilhar. Pelo contrário, são investidores extremamente conservadores que compram ou arrendam terra para plantar trigo ou criar gado. Mas a terra é escassa e cara na Europa e nos EUA. Resolver o problema significa desenvolver novas terras, as quais estão apenas disponíveis em África, Ásia e América Latina. Esta combinação de factores desencadeou um jogo de Monopólio da vida real onde as paradas são altas, onde fundos de investimento, bancos e governos estão empenhados numa corrida para aceder às terras aráveis do mundo.

“A Fronteira Final para encontar o Alfa”

Susan Payne, uma mulher britânica ruiva, é administradora do maior fundo fundiário na África austral, que engloba actualmente 150.000 hectares (370.000 acres), sobretudo na África do Sul, Zâmbia e Moçambique. Payne espera angariar de investidores 500 milhões de euros. Ela fala sobre combater a fome, mas os títulos nos seus slides de PowerPoint , embelezados com fotos de campos de soja ao pôr-do-sol, dizem uma história diferente. Um desses títulos refere-se à “África – a última fronteira para encontrar o alfa”. A palavra alfa significa um investimento para o qual o retorno é maior do que o risco. África é o continente alfa.

Isto porque a terra, que é extremamente fértil em algumas regiões, é barata no continente empobrecido. O fundo de Payne paga 350 a 500 dólares por hectare na Zâmbia, cerca de um décimo do preço da terra na Argentina ou nos EUA. Para um pequeno agricultor em África, o rendimento médio por hectare manteve-se constante nos últimos 40 anos. Com um pouco de fertilizante e mais irrigação, os rendimentos poderão quadruplicar – bem como os lucros.

Estas condições são perfeitas para os investidores. Susan Payne vê as coisas desta forma, bem como os seus investidores. Na realidade, tem havido tanta procura por este tipo de investimento que Payne teve recentemente que estabelecer um novo sub-fundo.

Uma quantidade apreciável de capital está actualmente disponível. Estamos no segundo ano de crise económica global e os investidores estão à procura de investimentos sólidos e seguros, razão pela qual a audiência em Nova Iorque inclui não apenas gestores de “hedge funds”(fundos especulativos) e executivos da agro-indústria, mas também os representantes de grandes fundos de pensões e os responsáveis financeiros de 5 universidades, incluindo Harvard.

Milhares de fundos de investimento, de pequenos a grandes, começaram recentemente a aplicar a fórmula mais básica do mundo: o homem tem que comer.

A companhia norte-americana de gestão de investimentos BlackRock, por exemplo, estabeleceu um fundo de 200 milhões de dólares para a agricultura, e destinou 30 milhões para a aquisição de terras. Renaissance Capital, uma companhia de investimentos russa, adquiriu mais de 100.000 hectares na Ucrânia. O Deutsche Bank e o Goldman Sachs investiram o seu dinheiro em operações de criação de porcos e galinhas na China, investimentos que incluem direitos legais aos terrenos agrícolas.

A comida está a tornar-se o novo petróleo. As reservas mundiais de cereais caíram para um nível mínimo histórico no início de 2008, e a explosão de preços que se seguiu marcou um ponto de viragem, tal como o fez a crise petrolífera dos anos 1970. Houve motins do pão pelo mundo fora, e 25 países, incluindo alguns dos maiores exportadores de cereais, impuseram restrições nas exportações de alimentos.

Depois surgiu a segunda crise de 2008, a crise económica. Dois receios – o receio da fome e o receio da incerteza – convergiram, desencadeando o que alguns já estão a designar como uma segunda geração de colonialismo.

Uma situação em que todos ganham (win-win)?

O que é distinto em relação a este colonialismo é que os países dispõem-se prontamente a permitir a sua conquista. O Primeiro-Ministro da Etiópia disse que o seu governo está “desejoso” de providenciar acesso a centenas de milhares de hectares de terras agrícolas. O ministro da agricultura da Turquia anunciou: “escolham e tomem o que desejarem.” No meio de uma guerra contra os Talibãs, o governo paquistanês ensaiou um “périplo” pelo Dubai, procurando atrair os “sheikhs” com deduções fiscais e isenções em relação às leis laborais.

Todos estes esforços têm duas esperanças em comum. Uma é a esperança das nações mais pobres em alcançar o desenvolvimento e a modernização dos seus sectores agrícolas em dificuldades. A outra é a esperança do mundo de que os investidores externos em África e na Ásia serão capazes de produzir comida suficiente para um planeta habitado brevemente por uma população de 9.1 mil milhões de pessoas; que trarão consigo todas as coisas de que os países pobres necessitaram até agora, incluindo tecnologia, capital e conhecimento, fertilizantes e sementes modernos; e que estes investidores serão capazes não apenas de duplicar os rendimentos das colheitas, mas, em muitas partes de África, aumentá-los dez vezes mais. Estimativas anteriores tinham na realidade previsto um declínio da capacidade produtiva de 3 a 4 porcento em 2080, quando comparada com a do ano 2000.

Se os investidores tiverem sucesso, poderão alcançar o que as agências de desenvolvimento foram incapazes de fazer nas últimas décadas: reduzir a fome que hoje aflige mais pessoas do que nunca, nomeadamente mil milhões por todo o mundo. No melhor cenário possível esta poderia ser uma situação mutuamente vantajosa (win-win) com lucros para os investidores e desenvolvimento para os pobres.

Não são apenas banqueiros e especuladores, mas também governos que estão a adquirir terra em outros países, procurando reduzir a sua dependência do mercado mundial e das importações. A China alberga 20% da população mundial, mas tem apenas 9% da terra arável. O Japão é o maior importador mundial de milho, e a Coreia do Sul é o segundo maior.
Os Estados do Golfo Pérsico importam 60% da sua comida, ao passo que as suas reservas naturais de água são suficientes para suportar apenas mais 30 anos de agricultura.

Tomada de terras dos tempos modernos

Mas o que acontece num mundo globalizado quando surgem uma vez mais as colónias? E se, por exemplo, a Arábia Saudita adquire partes da região do Punjab paquistanês ou investidores Russos compram metade da Ucrânia? E o que acontecerá quando a fome atacar estes países? Será que os estrangeiros ricos instalarão cercas eléctricas em redor dos seus campos e guardas armados irão escoltar carregamentos de colheitas para fora do país? O Paquistão já anunciou planos para colocar 100.000 membros das suas forças de segurança a proteger os campos propriedade de estrangeiros.

Devido à sensibilidade política das tomadas de terras dos tempos modernos, é frequente ser apenas o chefe de estado do país a ter conhecimento dos detalhes. Em alguns casos, contudo, os governadores provinciais já leiloaram terra ao mais alto licitador, como no caso do Laos e Camboja, onde até os governos já não sabem quanto do seu território ainda lhes pertence.

Ninguém sabe ao certo quanta terra está em jogo. O número citado pelo Instituto Internacional de Pesquisa sobre Política Alimentar (IFPRI) é 30 milhões de hectares, mas esta estimativa é impossível de ser verificada. Mesmo organizações das Nações Unidas têm que recorrer a citações de reportagens jornalísticas, enquanto o Banco Mundial está a tentar convencer os países a prestarem mais atenção à letra miudinha dos acordos.

Klaus Deininger, um economista especialista em política fundiária no Banco Mundial, estima que 10 a 30% da terra arável disponível estará à mercê deste tipo de aquisições, embora apenas uma fracção do número potencial de acordos de arrendamento e venda tenham sido assinados. “Houve um enorme salto em 2008, quando planos e candidaturas mais que duplicaram em muitos países, em alguns casos triplicaram.” Em Moçambique, diz Deininger, a procura externa é mais do dobro da terra agrícola actualmente cultivada, e o governo já atribuíu 4 milhões de hectares aos investidores, metade deles estrangeiros.

Os negócios mais espectaculares não estão a ser realizados por investidores privados, mas por governos e pelos fundos e conglomerados por eles promovidos:

O governo sudanês arrendou 1.5 milhões de hectares de terras de primeira qualidade aos Estados do Golfo, Egipto e Coreia do Sul por 99 anos. Paradoxalmente, o Sudão é também o maior beneficiário mundial de ajuda externa, com 5.6 milhões dos seus cidadãos dependentes de entregas de alimentos.

O Kuwait arrendou 130.000 heectares de campos de arroz no Camboja.
O Egipto planeia cultivar trigo e milho em 840.000 hectares no Uganda.
O presidente da República Democrática do Congo ofereceu-se para arrendar 10 milhões de hectares aos sul-africanos.

A Arábia Saudita é um dos maiores e mais agressivos compradores de terra. Esta Primavera, o rei assistiu a uma cerimónia onde recebeu a primeira colheita de arroz para exportação, produzida exclusivamente para o reino na Etiópia devastada pela fome. A Arábia Saudita gasta 800 milhões de dólares por ano a promover companhias estrangeiras que cultivem “culturas estratégicas” como arroz, trigo, cevada e milho, as quais depois importa. Ironicamente, o país foi o sexto maior exportador mundial de trigo nos anos de 1990. Mas a água é escassa e a nação do deserto aspira a preservar as suas reservas. Exportar comida significa também exportar água.

O Investidor precisa de um Estado fraco

As nações ricas estão a trocar dinheiro, petróleo e infraestruturas por alimentos, água e rações para animais. À primeira vista, isto parece apresentar uma solução para vários problemas, diz Jean-Philippe Audinet do Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura (IFAD).Em princípio, está satisfeito acerca dos investimentos agrícolas, e diz que lutou anos por eles.”O que foi mau foi o período quando os mercados eram inundados com produtos alimentares baratos.”

Mas muitos dos países onde a terra está a ser arrebatada – Cazaquistão e Paquistão, por exemplo - sofrem de falta de água. A África Sub-Sahariana tem reservas de água naturais adequadas, mas o único país na região correntemente produtor de um excedente alimentar é a África do Sul. A maioria dos países, por outro lado, são importadores e, com populações em crescimento rápido, serão ainda mais dependentes das importações de alimentos no futuro. Poderão tais países tornar-se verdadeiramente importantes produtores de alimentos?

Audinet, o perito do IFAD, conhece os riscos. “A forma como estes acordos estão estruturados pode prejudicar o país e os camponeses a longo prazo, privando-os do seu mais importante activo: a terra”. Olivier De Schutter, o Relator Especial das NU sobre o direito à alimentação, avisa: “Porque os países em África estão a competir por investidores, estão a minar-se mutuamente”. Alguns contratos, diz De Schutter, mal têm três páginas de extensão – para centenas de milhares de hectares de terra. Este tipo de acordos estipulam que produtos serão cultivados, a localização e o preço de compra ou arrendamento, mas não incluem quaisquer padrões ambientais. Carecem igualmente das necessárias regulamentações do investimento e a estipulação de que devem ser criados empregos, diz De Schutter.

Alguns acordam em construir escolas e pavimentar estradas, mas mesmo quando os investidores cumprem com o prometido, os benefícios para os governos anfitriões e para os agricultores locais são frequentemente de curta duração. A longo prazo, no entanto, têm que sofrer as consequências da sobre-fertilização, desflorestação, sobre-consumo de água, redução da diversidade ecológica e perda de espécies locais. Para fazer disparar as colheitas e alcançar retornos anuais de 20% ou mais, os grandes proprietários de terras estrangeiros têm que operar as suas fazendas numa escala industrial. E quando o solo se esgota ao fim de alguns anos, muitos investidores simplesmente deslocam-se para outro lado. A terra é tão barata que eles não são forçados a valorizar práticas agrícolas sustentáveis.

A rejeição do velho modelo

Por causa destes riscos Audinet e De Schutter, como a maioria dos especialistas, favorecem a “contratação da produção” em vez da aquisição de terras. Por outras palavras, os investidores estrangeiros providenciam a tecnologia e o capital, enquanto os agricultores locais detêm ou arrendam a terra e fornecem arroz ou trigo a preços fixos. Este é o modelo clássico, experimentado e testado, mas não é o que os novos investidores pretendem. Eles querem controlo, propriedade, retornos elevados e, acima de tudo, segurança – objectivos raramente compatíveis com os interesses de milhares de pequenos agricultores.

O Senegal decidiu a favor dos “contratos de produção” e contra as vendas de terras em larga escala, mas acontece que se trata de uma democracia estável. Isto não pode ser dito de muitos países onde a aquisição de terras está a ter lugar.

“Quando a comida se torna escassa, o investidor precisa de um estado fraco que o não force a obedecer a quaisquer regras” diz Philippe Heilberg, um empresário americano. Um estado que permita a exportação de cereais apesar de fomes domésticas, que seja consumido pela corrupção ou afundado em dívidas, governado por uma ditadura, atormentado pela guerra civil, ou que envie milhões de trabalhadores para fora e esteja dependente da concessão de vistos e empregos para estes trabalhadores.

Heilberg encontrou um tal país: o Sul do Sudão, que é na realidade uma pré-nação, autónoma mas não independente. O americano de 44 anos, filho de um comerciante de café e o fundador da firma de investimento Jarch Capital, é agora o maior detentor de terras arrendadas no Sul do Sudão, onde ele arrenda 400.000 hectares de terras agrícolas de primeira qualidade na Província de Mayom.

A mera menção das palavras Sul do Sudão conjura imagens de guerra civil, refugiados e fomes, não de um lugar onde se consideraria plantar tomates. Mas Heilberg exulta, que este projecto será mais benéfico para as pessoas que as NU (Nações Unidas), e que ele criará empregos e produzirá comida. E ele recusa-se a aceitar que Paulino Matip, do qual arrendou a terra por 50 anos, seja tratado como senhor da guerra, preferindo “antigo senhor da guerra” ou “vice-comandante do exército”. Heilberg prefere esquecer que os rebeldes comandados por Matip são suspeitos de terem cometido crimes de guerra.

Em lugar de comprar acções, o antigo banqueiro especula agora sobre o futuro político do Sudão do Sul, que, insiste ele, será um país independente dentro de 10 anos, altura em que a terra será bem mais cara do que é hoje.

A aquisição de terras vai mais adiantada ao longo do Quénia ocidental, região natal de Erastas Dildo, 33 anos, o tipo de pessoa que os investidores de Nova Iorque provavelmente caracterizariam como um factor de risco: um pequeno agricultor que detém 3 hectares de terra. É terra fértil, onde o milho assume um verde vivo e cresce até 2 metros de altura, onde o gado é tão gordo como os hipopótamos e os tomateiros vergam sob o peso dos seus tomates. O vizinho Rio Yala corre para o Lago Vitória. Há três pequenas casas de tijolo na propriedade. Erastas colhe o seu milho duas vezes por ano, e vegetais e tomates dão-se todo o ano. Um hectare produz o equivalente a 3.600€ de milho por ano, muito dinheiro para os padrões do Quénia.


Expulsaram 400 famílias

Mas as coisas mudaram quando Erastas foi contactado pela Dominion Farms, um produtor agrícola dos EUA que estabeleceu uma colónia no delta do Rio Yala, onde arrendou 3600 hectares de terra por 45 anos, ao ridículo preço de 12.000€ por ano. A Dominion, que planeia produzir arroz, vegetais e milho naquela terra, quer incluir os três hectares de Erastas Dildo no seu empreendimento.

O representantes da Dominion dispuseram-se a pagar-lhe cerca de 10 cêntimos por metro quadrado. Erastas recusou e agora estão a dificultar a sua vida de agricultor. A sua arma mais eficaz é uma barragem que construíram. Quando Erastas tentou colher o seu milho o ano passado, estava inundado. “Eles estão a jogar com o nível das águas para se livrarem de nós”, diz ele. E quando isso não resulta, afirma Erastas, a Dominion envia escavadoras, capangas e por vezes até a polícia.

De acordo com o contrato, a Dominion concordou em renovar “pelo menos uma escola e uma instalação médica” em cada um dos dois concelhos locais. “Em vez disso, expulsaram 400 famílias”, diz Gondi Olima da organização Amigos do Pântano de Yala. De acordo com Olima, a princípio o empreendimento da Dominion criou novos empregos, com a contratação de trabalhadores ao dia para limparem a zona com machetes, mas depois a companhia trouxe mais e mais equipamento. “Agora têm tantas máquinas que os trabalhadores já não são necessários”, diz Olima.

A Dominion Farms nega as acusações dos agricultores e salienta que já construíu oito salas de aulas, doou portões e concedeu bolsas de estudo para 16 crianças, bem como ter providenciado camas e electricidade para uma ala de um hospital.

Talvez Erastas e a sua família sejam forçados em breve a dar lugar ao desenvolvimento, como está já a acontecer em muitos outros lugares. O Banco Mundial estima que apenas 2 a 10% da terra em África é formalmente detida ou arrendada, sobretudo aquelas que se situam nas cidades. Uma família pode ter vivido ou ocupado uma parcela de terra há décadas , mas frequentemente não tem qualquer prova ou título de propriedade.

A Corrida às Terras Continua

Contudo, a terra quase nunca é deixada sem uso. Os pobres, em particular, vivem da terra, onde colhem frutos, ervas ou lenha e pastam o seu gado. De acordo com um estudo conjunto de várias organizações das NU, a tomada de terras é frequentemente justificada através da definição das terras como estando “em pousio”. Como resultado, segundo o relatório, a tomada das terras tem o potencial de desapossar agricultores em larga escala. Em muitos países, poderá haver suficiente terra arável disponível para todos, mas a qualidade não é uniforme – e os investidores querem a melhor terra. Acontece que essa é a terra onde, habitualmente, vivem os agricultores.

Porque mais de 50% dos africanos são pequenos agricultores, a aquisição de terras em larga escala pode ser desastrosa para a população. Aqueles que perdem os seus campos perdem tudo. O facto de os grandes investidores poderem aumentar substancialmente as colheitas com a sua moderna tecnologia agrícola é de pouca utilidade para os africanos que, uma vez destituídos das suas terras e meios de subsistência, não têm recursos para comprar os produtos das novas explorações.

O Banco Mundial e outros estão agora a desenvolver um código de conduta para os investidores. Uma declaração de intenções esteve planeada para a Cimeira do G8 de Julho em L´Aquila, Itália, mas os chefes de Estado presentes não conseguiram entender-se sobre as normas vinculativas.

E assim a corrida às terras continua. A Dominion assegurou mais 3200 hectares, e Philippe Heilberg está em vias de arrendar uns adicionais 600.000 hectares no Sudão do Sul. De regresso a Nova Iorque, na sala Stuyvesant, um dos oradores cita números para ilustrar a rapidez com que a população global está a crescer: 154 pessoas por minuto, 9240 por hora ou 221760 por dia. E cada uma delas quer comer.»

Tradução: José Sousa
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